O Metro Ligeiro Odivelas-Loures: mais um erro?

A chegada do Metropolitano de Lisboa a Loures é dos temas que se tema arrastado mais ao longo dos últimos anos, especialmente pelos críticos do projeto da Linha Circular. É uma reivindicação já antiga tanto de autarcas como populações. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) recentemente apresentado pelo governo propõe uma solução para terminar de vez esta polémica: a construção de um metro ligeiro de superfície que ligue Odivelas a Loures passando pelo Hospital Beatriz Ângelo e pela estação de Metro (pesado) de Odivelas. 

Estação de Metro de Odivelas

Mas será esta a solução mais adequada? Que outras opções haveria? Ou faz sequer sentido que seja o Metro a servir Loures? É isso que vamos analisar neste artigo. 

Em primeiro lugar há que referir que a ideia de implementar um Metro Ligeiro em Loures é relativamente recente. Nos últimos 10 a 15 anos, o debate sobre como servir melhor Odivelas e Loures com transporte pesado tem oscilado entre a solução Metro pesado e a solução comboio suburbano. Em 2009, antes das eleições legislativas, o Governo de José Sócrates apresentou um ambicioso plano de expansão do Metro Lisboa no qual estavam incluídas 8 novas estações nos concelhos de Odivelas e Loures. Este plano previa bifurcar a Linha Amarela do Metro depois da estação de Odivelas em 2 braços como podemos ver abaixo:

Detalhe do PER 2009 para a zona de Odivelas/Loures

Escusado será dizer que este plano nunca se concretizou minimamente, era um plano maioritariamente composto por meras intenções, completamente megalómano e irrealista tendo em conta as capacidades de investimento do país. Mas a verdade é que servir esta zona da AML com Metro pesado nunca foi muito consensual. 

Isto deve-se a dois grandes fatores:

  • Algumas zonas de Loures como o Infantado são já extremamente periféricas, a distâncias do centro de Lisboa onde uma viagem de Metro demoraria bastante tempo;
  • A procura nesta zona da AML ser relativamente baixa fora das horas de ponta. Isto deve-se ao facto de se tratar de uma zona dormitório onde as pessoas habitam, deslocando-se até Lisboa todos os dias para trabalhar (note-se que atualmente, fora da hora de ponta, só algumas composições é que fazem a linha amarela na sua totalidade ficando algumas apenas no Campo Grande); 
Por isso é que se impõe a questão de o Metro pesado ser mesmo a melhor opção para servir a zona de Odivelas/Loures. E de facto é uma resposta muito difícil de dar. Alguns técnicos da área dos transportes defendem que a melhor solução para servir esta zona da AML é o comboio suburbano, nomeadamente através da construção de uma variante ao troço inicial da Linha do Oeste até à Malveira. Esta solução apresenta custos muito elevados apesar de ser justificável num contexto de que melhoraria imenso a competitividade da Linha do Oeste (ou seja, teria benefícios muito além da esfera da AML).
Estação de Comboio da Malveira

No entanto, devido à sua complexidade e custo, seria irrealista pensar que esta solução poderia ser implementada a curto prazo (aliás, esta variante da Malveira nem está contemplada no PNI 2030 e a discussão pública sobre a mesma ainda é relativamente escassa). 

Por isso, a urgência da implementação de transporte público estruturante nesta área impõe uma solução de mais rápida execução, adaptada ao financiamento mais reduzido mas significativo que existe atualmente. Ou seja, no curto prazo teria de ser executado um prolongamento da Linha Amarela ou então, implementar um novo sistema de Metro ligeiro. 

Assumindo como valor de referência a verba alocada a este projeto no PRR, 250 milhões de euros, de facto não seria possível avançar com enormes prolongamentos da Linha Amarela do Metro Ou seja, seria impossível cobrir todo este eixo urbano de uma só vez. Com esta verba seria provavelmente possível levar a Linha Amarela até à zona de Santo António dos Cavaleiros e Frielas com passagem na Póvoa de Santo Adrião o que já daria uma cobertura bastante razoável deste eixo. 

De facto, dados os custos de implementação do Metro pesado, parece tentador avançar com a opção do metro ligeiro que permitira abranger já toda esta zona. O projeto atual consiste numa linha em U que começa no Hospital Beatriz Ângelo seguindo pelo interior de Odivelas até chegar à estação de Metro pesado. A partir daí, a linha segue sensivelmente o alinhamento da Nacional 8 até chegar ao centro de Loures, terminando no Infantado. Há que notar que o traçado escolhido é algo estranho, em parte por ter várias curvas apertadas e passar em ruas relativamente estreitas para acolher uma linha destas, em parte por passar bastante ao largo de alguns centros urbanos como Santo António dos Cavaleiros. 

Traçado da Linha de Metro Ligeiro (imagem do Jornal Público)

No geral, este traçado peculiar deve-se ao relevo muito acidentado e à densidade urbana muito grande de algumas zonas onde é suposto passar esta linha. O que nos leva também a questionar: será que é apropriado implementar um sistema destes numa zona de relevo tão difícil e densidade tão elevada? Não faria mais sentido que se optasse pelo metro pesado de forma a evitar todos estes constrangimentos?

E depois chegamos ao maior dos problemas: o transbordo em Odivelas entre o Metro pesado e o ligeiro. Este transbordo por si só não parece muito problemático se olharmos para o mapa atual do Metro de Lisboa. O problema é que o avanço do projeto da linha circular obrigará a cortar a Linha Amarela no Campo Grande, desviando-a para Telheiras, perdendo o acesso direto ao centro de Lisboa. Isto tem implicações no Metro ligeiro Odivelas/Loures uma vez que serão necessários 2 transbordos para chegar a qualquer estação da Linha circular e até 3 para chegar a uma estação das linhas Azuis e Vermelha. 

Como é óbvio, isto não constitui de todo uma alternativa atrativa para os habitantes de Odivelas e Loures, sendo muito provável que muitos continuem a usar o transporte rodoviário para se deslocarem para Lisboa ou pelo menos para chegarem mais depressa à estação do Campo Grande. O que nos leva então a concluir: implementar um Metro Ligeiro para ligar Odivelas a Loures é uma má solução que não será atrativa para deslocações de e para o centro de Lisboa

Então mas porque é que se está a propor uma solução com tantos problemas? É uma resposta complicada mas diria que há bastantes motivações meramente políticas... A chegada do Metro a Loures é uma das maiores bandeiras das forças políticas que se opuseram ao projeto da Linha Circular (havendo neste projeto alguma vontade de silenciar essas criticas). Também se pode apontar uma certa vontade de simplesmente mostrar obra feita e "metro a chegar muitos locais". Ora uma vez que não há verba para enormes prolongamentos do Metro pesado, tenta-se uma alternativa mais barata (mas muito menos interessante). 

Com isto o caro leitor pergunta-se a si mesmo: então qual é a melhor solução afinal de contas? Tal como expliquei anteriormente é completamente irrealista achar que estamos agora em condições de avançar com um projeto tão complexo como a Variante da Malveira até porque esta linha vai agora entrar em obras de modernização. Tendo isto em consideração, a melhor opção neste momento, não sendo perfeita claro, é mesmo avançar com um prolongamento da Linha Amarela do Metro até onde tal for possível em termos de verba. Ou seja, provavelmente até à zona de Frielas e Santo António dos Cavaleiros e mais tarde, a haver orçamento, expandir então até Loures e Infantado se tal se justificar. 

Não é uma solução perfeita, mas é uma solução pragmática que reduz os transbordos necessários para chegar a outros pontos na cidade de Lisboa. Não é uma solução de caça ao voto nem tenta "mostrar obra feita". É fazer o melhor possível com os recursos que estão disponíveis em vez de por as boas práticas de desenvolvimento de uma rede de transportes de lado numa tentativa de agradar às populações. 

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