Campo de Tiro de Alcochete: é mesmo o paraíso? 

Não deve ser a primeira vez que o caro leitor ouve falar neste nome. Estava nas bocas do mundo em 2008 quando o Governo de José Sócrates decidiu enterrar de vez a solução da Ota para implementar o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) nesta instalação da Força Aérea na margem Sul do Tejo. 

A construção do NAL no Campo de Tiro de Alcochete (CTA) acabou por ficar na gaveta quando a crise de 2011 deixou o país à beira da bancarrota. Mas esta solução acabou por voltar ao debate público nos últimos anos em confronto com a opção adotada pelo Governo e pela ANA de expandir o Aeroporto da Portela e construir um aeroporto complementar na BA6 do Montijo. Por isso, importa perguntar: (1) que solução é esta do CTA? (2) Que vantagens e desvantagens tem? (3) É uma localização assim tão boa? Vejamos:

(1) O CTA é uma instalação da FAP localizada entre Alcochete e Canha onde é armazenado material militar e se realizam periodicamente exercícios militares. Trata-se da maior instalação militar da Europa com 7539 hectares. A localização concreta onde esteve prevista o NAL denomina-se H6, já mais próxima de Canha. Esta instalação militar tem uma mancha florestal significativa maioritariamente composta por sobreiros e onde existe uma presença considerável de fauna cinegética. Trata-se de uma zona bastante plana onde não há grandes obstáculos naturais a transpor. 


Localização do CTA e do H6 (vermelho)

(2) O CTA apresenta algumas vantagens:

  • Por ser uma zona muito plana, a movimentação de solos necessária para a construção é relativamente pequena e além disso não existem obstáculos que possam interferir na operação diária dos aviões;
  • Os terrenos do H6 pertencem na sua larga maioria ao CTA, logo, ao Estado, minimizando a quantidade de expropriações a efetuar;
  • É uma localização afastada de qualquer povoação de maior dimensão tendo, por isso, um impacto muito reduzido ao nível do ruído;
  • Tem uma fácil capacidade de expansão;
(3) No entanto, o CTA apresenta inúmeras desvantagens: 

  • A sua localização é extremamente excêntrica não só à cidade de Lisboa como a algumas das zonas mais populosas da AML. Desde o Terreiro do Paço até ao CTA, por via rodoviária, o percurso chega aos 50 km de distância. Se medirmos a partir de uma zona mais periférica como Cascais a distância pode mesmo alcançar os 80 km. Tendo em conta o congestionamento nalgumas das principais artérias da AML, qualquer viagem para um NAL no CTA poderia ultrapassar largamente a 1 hora;
  • Essa sua excentricidade torna um aeroporto complementar no CTA completamente inviável uma vez que a Portela, pela sua localização central, continuaria a concentrar quase toda a procura (por outras palavras, a Portela é simplesmente demasiado atrativa). Se já com o Montijo, poucas companhias aéreas se mostravam interessadas em usar um complementar, imaginemos como seria no CTA; 
  • Uma vez que não existem infraestruturas aeroportuárias no CTA, qualquer aeroporto teria de ser construído de raiz com encargos financeiros muito grandes; 
  • O H6 está muito afastado de todas as infraestruturas de acesso existentes (A12, A13 e Linha do Alentejo) obrigando por isso à construção de muitas infraestruturas novas com encargos financeiros também elevados;
  • Os movimentos pendulares rodoviários entre os vários pontos da AML (sejam de passageiros ou dos milhares de trabalhadores do aeroporto) e uma localização tão excêntrica, iriam certamente agravar bastante a já de si enorme pegada ecológica de todo o projeto do NAL; 
  • O investimento inicial muito elevado neste NAL levaria a que as taxas aeroportuárias oferecidas fossem menos competitivas e interessantes para as companhias aéreas;  

Então... que podemos concluir de tudo isto? Não é propriamente simples. Apesar de o CTA ser tecnicamente viável, seja a nível de execução (que não apresenta desafios de maior) seja a nível de impacto ambiental (obteve a DIA positiva)... Esta solução pura e simplesmente sofre de demasiados problemas graves para servir adequadamente a região de Lisboa. 

Trata-se de uma localização extremamente periférica que obriga a investimentos massivos, quer na construção da cidade aeroportuária, quer na das suas acessibilidades. O aumento brutal de movimentos pendulares cidade-aeroporto de grande distância acarretam um aumento de emissões nocivas enorme, mesmo que o aeroporto seja servido de ferrovia (e para tal seria sempre necessário avançar com uma nova travessia do Tejo). 

No contexto atual, a construção de um NAL no CTA é pura e simplesmente impensável. Portugal é um país que sofre de graves dificuldades económicas e financeiras com uma população modesta e que, no geral, nem viaja muito de avião. A TAP, a principal operadora em Lisboa, está à beira da falência a caminho de enfrentar ou um plano de restruturação duríssimo que deixará marcas na companhia, ou a liquidação. Os sonhos de ter um grande hub continuam a esbarrar na dura realidade. Não há feed (procura interna) para alimentar esse hub e a posição geográfica de Portugal bem como a consolidação dos nossos concorrentes em mercados como a América do Norte, acaba por limitar a nossa competitividade a servir de hub entre o Brasil, PALOP's e a Europa (e pouco mais). 

Está na altura do país cair na real e perceber que estamos há 20 anos a sonhar com aeroportos a roçar o megalómano que simplesmente não colam à realidade do país e que (independentemente da sua localização) acarretam custos ambientais massivos. Estou especialmente cansado de ver uma opção como o CTA ser glorificada constantemente em meios técnicos e nos media como uma opção perfeita apesar desta sofrer de gravíssimos problemas. 

Está na hora de sair desta bolha e acordar. Enfrentar o problema da expansão aeroportuária de Lisboa de forma pragmática e realista e largar sonhos que só nos têm custado milhões em estudos e tempo perdido. 

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