A Linha Circular do Metro: um erro que vamos pagar caro

Está por semanas o arranque daquele que é provavelmente o mais polémico projeto de transportes do país: a Linha Circular do Metro de Lisboa. Mas afinal de contas, porque é que este projeto é tão controverso? E que benefícios e problemas é que vai trazer? 

Antes de mais nada, o que é a Linha Circular? É um projeto de expansão da rede do Metro de Lisboa que prevê ligar as estações do Rato (na Linha Amarela) ao Cais do Sodré (na Linha Verde) através de duas estações intermédias na Estrela e em Santos. Com algumas alterações aos viadutos no Campo Grande, a Linha Verde passará a ser uma Linha Circular ficando com todas as estações da Linha Amarela entre o Campo Grande e o Rato.

Segundo o Metro de Lisboa e o Governo este investimento da ordem dos 210 milhões de euros vai permitir reduzir os tempos de espera pelas composições no centro da cidade mas, acima de tudo, vai permitir que os milhares de pessoas que chegam todos os dias ao Cais do Sodré vindos da Linha de Cascais e dos barcos da TT tenham um acesso direto em Metro à zona das Avenidas Novas. Segundo o executivo, este prolongamento da rede era também o que apresentava maior potencial procura nos estudos efetuados pelo ML.

Agora que já dei o devido tempo de antena aos argumentos mais que gastos do Governo vamos então passar aos factos. 

Primeiro, não, para reduzir o tempo de espera na rede não é preciso uma Linha Circular, é preciso um sistema de sinalização novo, que o Metro vai adquirir com esta expansão para substituir o arcaico sistema dos anos 70 ainda presente. Fazer uma Linha Circular não tem rigorosamente nada a ver com as frequências oferecidas na rede de metro. 

Segundo, de facto a Linha Circular vem facilitar muito as deslocações diárias a quem chega da Margem Sul pelo transporte fluvial ou pelos comboios suburbanos da Linha de Cascais. O que o governo não menciona, é que milhares de pessoas nas zonas de Telheiras, Lumiar e Odivelas vão perder o acesso direto ao centro da cidade com as alterações aos viadutos do Campo Grande. Estas alterações e a consequente passagem da Linha Amarela a uma mera linha suburbana vão colocar imensa pressão no interface do Campo Grande, com fluxos enormes de passageiros a movimentarem-se entre os cais da Linha Amarela e da Linha Circular. 

Protesto contra o corte da Linha Amarela na estação do Campo Grande

E isto é apenas uma análise superficial do problema, uma vez que a Linha Circular terá implicações muito significativas nas futuras expansões da rede de Metro. Como? Vejamos:

Atualmente a rede do Metro de Lisboa é constituída por 4 linhas que seguem, umas mais que outras, uma orientação radial. Ou seja, várias linhas concentram-se em rede no centro de Lisboa dispersando depois para a periferia da cidade através de eixos de maior procura. Este tipo de organização de rede tem inúmeras vantagens uma vez que passageiros oriundos de zonas periféricas disfrutam de acesso direto ao centro de Lisboa, conseguindo, se tal for necessário, com apenas um transbordo alcançar qualquer ponto da rede. A linha circular vem mudar por completo este panorama, uma vez que a rede passará a estar organizada em torno desse anel com várias linhas a irradiar a partir dele. 

A Linha Amarela não só perderá o acesso ao centro da cidade como também a correspondência com as Linhas Azul e Vermelha, ou seja, para se alcançar qualquer estação destas duas linhas a partir da Linha Amarela serão necessários dois transbordos. Todas as expansões da rede feitas com recurso às pontas da Linha Amarela vão sofrer com o problema do isolamento desta linha em relação ao resto da rede. Falo de expansões na zona de Telheiras/Luz ou na zona de Odivelas (onde aliás está planeada a implementação de um metro ligeiro que fará a ligação a Loures). 

Estes transbordos adicionais criados com o projeto da Linha Circular vão completamente contra as boas práticas no desenvolvimento de uma rede de transportes. Devemos evoluir no sentido de eliminar transbordos, não no sentido de criar mais. 

A parte mais frustrante de tudo isto é que existiam alternativas para realizar uma expansão muito semelhante que resolveria os mesmos problemas do Cais do Sodré sem prejudicar ninguém. Por exemplo:

1) O prolongamento da Linha Amarela até ao Cais do Sodré passando esta estação a ser o terminal de duas Linhas distintas (verde e amarela). 

2) O prolongamento entre o Rato e o Cais do Sodré mas sem fazer qualquer alteração aos viadutos do Campo Grande, resultando na fusão das Linhas Verde e Amarela numa grande linha em "loop"

Qualquer uma destas opções resolveria o problema do acesso às Avenidas Novas a partir do Cais do Sodré mantendo o acesso direto ao centro da cidade a partir de zonas mais periféricas. São duas opções que estão em linha com a implementação de um Metro Ligeiro Odivelas-Loures uma vez que com apenas um transbordo seria possível aceder ao centro da cidade a partir de zonas tão periféricas como Santo António dos Cavaleiros ou o Infantado.

Há também que analisar a proposta da Linha Circular em termos técnicos, e também nesse aspeto este projeto apresenta problemas. Devido ao enorme desnível entre a estação do Rato e a estação do Cais do Sodré, e de forma a manter o trainel (inclinação do túnel) em patamares aceitáveis, a estação da Estrela terá de ser construída a uma enorme profundidade. Será a estação mais funda da rede, a 54 metros de profundidade, destronando assim a estação Baixa-Chiado. Da superfície até ao Cais de embarque os passageiros terão de percorrer 7 lanços de escadas. 

Futura estação "Estrela"

Além disso, há problemas associados à própria natureza da Linha Circular relacionados com a dificuldade acrescida de recuperar atrasos, uma vez que se trata de uma linha única sem términos de serviço em que se possam compensar irregularidades na circulação dos comboios. 

É ainda de salientar que a Linha Circular, ao cortar o acesso da Linha Amarela ao centro da cidade, vem inviabilizar um prolongamento (já estudado) da Linha Vermelha entre o Aeroporto e o Lumiar uma vez que não permite reduzir o tempo de viagem entre o centro e o Humberto Delgado. Esse prolongamento seria de extrema importância uma vez que se trataria da primeira parte de um grande arco Norte da rede que cruzaria várias linhas em zonas mais periféricas da cidade, criando também um eixo paralelo à 2ª Circular em Metro. 

Alguns prolongamentos do Metro estudados antes do surgimento da Circular em 2009

O caro utilizador deve estar a pensar, "como é que vão avançar com um projeto que tem tantos problemas?". A resposta é complexa e diria que nem existe uma 100% correta. Alguns apontam para um simples desconhecimento técnico da matéria por parte dos decisores políticos, outros apontam para interesses imobiliários a moverem as peças certas e devo dizer que há mesmo uma grande dose de teimosia do Governo que ao longo dos últimos 4 anos não soube admitir o enorme erro que estava a cometer apesar de todos os pareceres técnicos desfavoráveis e criticas que o projeto recebeu. 

O que podemos concluir de tudo isto? Que a Linha Circular se trata de um investimento completamente errado que apesar de trazer benefícios a muitos utilizadores da rede de Metropolitano, vai prejudicar outros tantos sem qualquer razão para tal. É um erro grave que vai ter graves consequências a curto e médio prazo para o desenvolvimento da rede de Metro, mas que infelizmente já não pode ser travado. 


Tomás Ribeiro

Comentários

  1. Boas, tema muito bem explorado, gostei da ideia principalmente do loop.
    Adorava trocar ideias contigo.

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