SATUO: O que correu mal e o que podemos fazer agora?

O meu artigo de hoje é dedicado a um dos mais controversos projetos de transporte dos últimos 20 anos: o SATU Oeiras. O que é o SATUO? Porque é que não teve sucesso? O que podemos fazer para emendar o erro?

Então antes de mais nada, o que é o SATUO? O SATUO foi um sistema automatizado de transporte urbano que operou no concelho de Oeiras entre o shopping Oeiras Parque e a estação ferroviária de Paço de Arcos entre 2004 e 2015. Era um sistema elevado, totalmente em viaduto, que consistia em várias cabines não tripuladas sobre carris tracionadas por um cabo. Tinha como grande objetivo ligar a Linha de Cascais à Linha de Sintra (na estação do Cacém) criando um eixo perpendicular a estas duas linhas ligando-as, levando transporte público pesado a zonas mais interiores do concelho de Oeiras. Tinha também como grande objetivo potenciar os dois grandes parques de escritórios que foram construídos no concelho durante os anos 90 e 2000: o Lagoas Park e o Taguspark. 

Viaduto do SATUO

Respondida a nossa primeira pergunta, passamos então ao motivo pelo qual o SATUO falhou. Bem, há vários fatores que contribuíram para o insucesso deste sistema, sendo o mais óbvio de todos, o facto de este nunca ter sido terminado. Apesar de ter sido projetado para ligar a estação de Paço de Arcos (neste sistema chamava-se Navegantes) à estação do Cacém, o SATUO nunca passou da estação "Fórum", ou seja, do Oeiras Parque. Nunca teve sequer ligação ao Lagoas Park que seria um dos maiores polos geradores de tráfego. A única fase deste sistema que chegou a ser construída foi a 1ª (além da estação Fórum e Navegantes, incluía ainda uma terceira a meio caminho chamada Tapada). 

Primeira fase do SATUO: de Paço de Arcos, ao Oeiras Parque

Além disto, o próprio meio de transporte escolhido para este sistema foi completamente desadequado. As cabines eram únicas, só podendo transportar 106 pessoas de cada vez (o que apesar de ser imenso para a procura que o sistema acabou por ter, era manifestamente insuficiente para lidar com tráfego de hora de ponta num cenário em que o projeto fosse implementado em toda a sua extensão). 

Depois, o próprio sistema de tração escolhido era completamente desadequado. As cabines não eram motorizadas, sendo puxadas por um cabo sem fim que por sua vez era movido por um motor elétrico na estação Navegantes. Este sistema de tração, apesar de permitir vencer o declive acentuado entre Paço de Arcos e o Oeiras Parque, limitava muito qualquer expansão a efetuar a partir desse ponto (e o declive a partir do Oeiras Parque é muito mais suave).

Motores de tração na estação Navegantes

E por fim, a própria bilhética era má, não estando os títulos do SATUO integrados nos passes de transporte da AML, o que é essencial para tornar o sistema atrativo para os passageiros especialmente quando se planeia ligar duas linhas ferroviárias suburbanas.

Por todos estes motivos, o SATUO nunca se afirmou como uma alternativa interessante para quem queria chegar aos vários parques de escritórios do concelho de Oeiras, acabando por se tornar quase um pequeno shuttle para servir o Oeiras Parque. Como é óbvio, a procura era baixíssima, e a empresa municipal que o operou foi acumulando prejuízos enormes sendo extinta em Maio de 2015. 

Resta-nos, por isso, responder à última pergunta: o que podemos fazer para emendar o erro?

Em primeiro lugar há que realçar que a ideia de implementar um transporte pesado neste eixo é excelente, mas que para o sucesso de qualquer sistema a implementar é critico chegar ao Lagoas Park e de preferência, a haver financiamento para tal, chegar já mesmo ao Tagupark. Estes dois grandes parques de escritórios são dois enormes geradores de tráfego sem os quais será extremamente difícil garantir a viabilidade de qualquer transporte pesado neste eixo. São também os responsáveis pela maioria do tráfego que entope as vias rodoviárias desta zona bem como os acessos e a própria A5. 

Lagoas Park: um dos maiores parques de escritórios de Portugal

Dada a pendente acentuada entre Paço de Arcos e o Oeiras Parque é de facto difícil implementar ali um sistema como um metro ligeiro. Teria de ser criado todo um novo canal dedicado com um percurso bastante sinuoso para garantir uma pendente mais suave, compatível com um veículo tipo tram. Esta solução não é particularmente interessante pelos custos associados e pelo facto de não fazer uso da infraestrutura já construída. 

Como podemos observar, o declive do viaduto antes do Oeiras Parque é acentuado

A melhor forma de aproveitar o que já está construído consiste na implementação de um sistema conhecido como VAL, Véhicule Automatique Léger, francês para Veículo Automático Ligeiro). Um sistema VAL é composto por cabines não tripuladas que se deslocam sobre pneus, podendo ser configurado com várias carruagens. O facto de usarem pneus de borracha significa que estes veículos conseguem vencer declives mais acentuados (até 10%) como aquele que encontramos no caso do SATUO. Sistemas semelhantes já operam nos Metros de Lille, Toulouse e Turim bem como no Aeroporto Charles de Gaulle em Paris. 


Sistema VAL do Aeroporto Charles de Gaulle em Paris

Veículos VAL fabricados pela Siemens

Para implementar um sistema destes em Oeiras, o viaduto do SATUO teria de sofrer algumas modificações como a substituição dos carris pelas guias metálicas dos pneus e a instalação de um terceiro carril para fornecer energia aos veículos VAL. Como as estações construídas já estão preparadas para receber composições de duas cabines a circularem juntas, os veículos VAL poderiam ter já 2 carruagens sem qualquer necessidade de alterar essa parte da infraestrutura, reduzindo custos.

As estações já tinham instaladas um segundo conjunto de portas para permitir operações com 2 cabines

A desvantagem de um sistema VAL é o facto de, por este recorrer a um terceiro carril para mover os veículos, ser necessário assegurar um canal vedado ao longo de todo o percurso (aquilo que já acontece com o Metro de Lisboa por exemplo). No caso de Oeiras, isso significaria construir todo o sistema em viaduto, como já estava planeado com o SATUO. Isto faz subir os custos de implementação do sistema mas também elimina complicações relacionadas com cruzamentos com vias rodoviárias como costumam existir em sistemas de metro ligeiro. 

No entanto, o VAL não deixa com isso de ser uma excelente forma de aproveitar a infraestrutura já existente não apresentando quaisquer limitações para as tão necessárias expansões do sistema para o interior do concelho de Oeiras. 

Acima de tudo, é urgente avançar de uma vez por toda com a resolução dos graves problemas de mobilidade que afetam este eixo de grande procura, fomentando a utilização do transporte público que sempre foi um dos grandes problemas do concelho de Oeiras, conhecido pela sua grande dependência do automóvel. É extremamente importante não se repetir os erros do passado ao nível de bilhética, o "novo SATUO" tem de estar completamente integrado na oferta de passes da AML. 

Está na altura de deixar de lado as promessas eleitorais constantes e passar à ação.

Tomás Ribeiro


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