A discussão sobre o Novo Aeroporto de Lisboa "despenhou-se"

É um titulo forte, mas não foge muito à realidade: a discussão sobre o Novo Aeroporto de Lisboa perdeu o controlo. Desde 1969 que se debate este tema, se bem que, a bem da verdade, a discussão séria só arrancou nos anos 90. Desde lá passámos por uma miríade de localizações: Rio Frio, Ota, Campo de Tiro de Alcochete, Montijo... tornou-se um tema absolutamente desgastante e que já toma contornos quase cómicos tal é o ponto a que chegou. Mas porquê e como é que chegámos a este ponto? Porque é que o país não consegue decidir e não se consegue comprometer com uma solução? 

Comecemos pelo motivo talvez menos óbvio mas mais importante: a capacidade que o Aeroporto da Portela teve de ir aguentando o constante aumento da procura. Ao longo dos anos a Portela nunca chegou verdadeiramente ao seu limite, foi sempre possível ir aumentando a capacidade instalada no Aeroporto. Isto permitiu que a decisão sobre o novo aeroporto pudesse ser arrastada por tanto tempo sem consequências graves. Sempre que a capacidade instalada era esgotada, simplesmente eram feitos alguns acrescentos à Portela e a situação ficava resolvida para os 10 anos seguintes enquanto o tema do novo aeroporto continuava a ser debatido. Volvidos esses 10 anos, o novo aeroporto continuava no papel e lá se faziam mais umas obras na Portela.

Este ciclo vicioso é que tem permitido que esta discussão se arraste, tivesse a Portela chegado ao seu ponto de saturação absoluta (ponto em que já não é possível aumentar mais a capacidade instalada), teríamos de ter avançado com uma solução por mais problemas que ela tivesse ou por mais controversa que ela fosse. 

Outro motivo, geralmente pouco falado, que nos deixou nesta situação foi o facto de país, no geral, não saber sequer que tipo de Aeroporto quer. Os aeroportos não são todos iguais, o seu design, a sua dimensão, as suas pistas variam muito consoante a tipologia de tráfego dominante e a existência ou não de um hub. Efetivamente Portugal andou cerca de 20 anos à procura de um grande hub, procurámos uma localização para um grande aeroporto que pudesse ser o ponto de articulação entre a Europa, a América e África. 

Nesta questão houve duas crises que tiveram uma importância tremenda, a crise de divida pública de 2011 (a crise da troika) e a crise provocada pela covid-19. A primeira relembrou-nos do estado débil das finanças portuguesas e fez-nos repensar se o país teria capacidade financeira para se aventurar por um projeto da dimensão do NAL. A segunda, relembrou-nos que a nossa companhia aérea de bandeira, que nós julgávamos estar em condições de ter um grande hub e competir com as gigantes europeias, estava na verdade numa situação financeira muito debilitada e que talvez o tráfego aéreo não vá continuar a subir a um ritmo alucinante para sempre. 

Estas duas crises acabaram por ser importantes na medida em que nos mostraram a dura realidade das coisas. Puxaram-nos para a terra e obrigaram-nos a ser mais racionais no que toca aos grandes investimentos em infraestruturas. 

Podemos ainda falar da fraca capacidade de decisão política ou da própria teimosia de alguns partidos. A verdade é que assistir a um debate sobre a questão do aeroporto na Assembleia da Republica já se tornou algo meio deprimente de se ver, seja por partidos que se tentam descolar ligeiramente mas não totalmente de ideias que foram suas inicialmente, seja por partidos que não sabem elaborar uma narrativa para lá de um molho de generalidades e argumentos desonestos, seja por termos partidos a questionar ministros sobre potenciais soluções que francamente só o são nas caixas de comentários do Facebook. 

A propósito de soluções geradas nas caixas de comentários dos jornais, outro motivo para o nível de loucura a que esta questão chegou está relacionado com a comunicação social que neste assunto tem falhado de variadíssimas formas. Por um lado, promovendo espaços de comentário em que pessoas sem o mínimo conhecimento técnico da área são chamadas a comentar este assunto, por outro, pela falta de rigor e critério em muitos artigos publicados (muitas vezes acabando por amplificar e dar voz a soluções completamente descabidas e irrealistas que nunca estiveram nem estão em cima da mesa). 

No geral, a questão do aeroporto acaba por ser o retrato de um país. Um país que não consegue tomar decisões céleres em relação a grandes investimentos, onde cada um tenta defender o seu quintal, onde a teimosia muitas vezes comanda a política, onde muito discurso é vazio e comandado por sonhos e delírios afastados da realidade. 

Enquanto interessado neste tema mas acima de tudo enquanto cidadão, só me resta pedir que se encerre este assunto de uma vez por todas, que se tome uma decisão e se enterre o machado de guerra. O país já perdeu demasiado tempo com um debate que já se tornou desprestigiante e motivo de chacota. 

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