Pode o Montijo ser mesmo o Aeroporto principal de Lisboa?

No dia 2 de Março, depois do anúncio do travão dado pela ANAC ao processo do novo aeroporto do Montijo, o Governo anunciou finalmente quais são as 3 soluções que serão analisadas na Avaliação Ambiental Estratégica exigida pelo Parlamento. 

A hipótese de um novo aeroporto em Alcochete que substituísse completamente a Portela foi novamente posta em cima da mesa para ser comparada com a solução até aqui defendida pelo Governo e pela ANA de construir um aeroporto complementar no Montijo expandindo a capacidade do Humberto Delgado. No entanto, foi também posta em consideração uma outra solução até agora pouco discutida e desconhecida do grande público: a hipótese de gradualmente o Montijo se tornar o principal Aeroporto de Lisboa deixando a Portela numa posição mais secundária até ser totalmente desativada. 

Mas será essa solução viável? Há espaço no Montijo para tal? É mais cara ou mais barata que as restantes? É isso que vamos analisar neste artigo. 

Antes de mais, há que especificar o que queremos de um aeroporto principal de Lisboa que possa operar como aeroporto único para a região, sem o apoio de uma infraestrutura complementar. Procuramos um aeroporto que possa operar com duas pistas independentes em que pelo menos uma delas tenha comprimento suficiente para operações de aviões Wide-Body em MTOW (peso máximo à descolagem). Tendo em conta que o Montijo fica ao nível do mar, podemos apontar para um comprimento de pista à volta dos 3200 metros (convém ter mais algumas centenas de metros por mera precaução e segurança). 

Uma pista com cerca de 3500 metros seria suficiente para a operação segura de qualquer wide body existente, incluindo o famoso Airbus A380. Muitas vezes fala-se da necessidade de pistas com 4km, mas ao nível do mar é difícil justificar um investimento numa pista tão comprida, especialmente num aeroporto onde a grande maioria do tráfego é intraeuropeu e daria muito pouco uso à sua total extensão.


A grande maioria do tráfego em Lisboa, é intraeuropeu feito por aviões narrow body

Uma segunda pista não precisa de ser tão comprida, podendo ser mais vocacionada para operações de aviões narrow-body. Tendo em conta que em operações dentro da Europa é raro os aviões andarem em MTOW, uma pista com cerca de 2500 metros seria suficiente (semelhante à do Aeroporto de Faro) mas, mais uma vez, é sempre recomendável ter mais algumas centenas de metros por precaução.  


A pista de Faro tem 2500m e serve perfeitamente a maioria do tráfego intraeuropeu

No Montijo, há espaço para ter duas pistas paralelas, na orientação 01/19. A atual pista com esta orientação só tem 2100 metros mas pode ser facilmente expandida para os 2900 metros com um prolongamento para sul. Seria, por isso, a tal pista mais vocacionada para narrow body que falámos. É certo que isto obriga a um aterro por cima do braço de rio, mas trata-se de uma obra que do ponto de vista da engenharia é absolutamente trivial. 

Uma segunda pista pode facilmente ser construída paralela a esta com uma extensão de 3500 metros. Esta pista também obrigaria a recorrer a um aterro sobre o braço de rio, mas mais uma vez, trata-se de uma obra trivial e que (tal como no caso da pista mais pequena) não afeta qualquer zona ambientalmente protegida. Aliás, note-se que a norte da BA6 já existe a Zona de Proteção Especial (ZPE) que não deverá ser invadida com aterros (mas tal nem seria necessário). Ao contrário do que se tem falado, a BA6 não está particularmente próxima da Reserva Natural do Estuário do Tejo, apenas faz fronteira com a ZPE estando numa zona de facto sensível do ponto de vista ambiental. 


Como podemos ver, apenas a ZPE faz fronteira com a BA6

Entre estas duas pistas há amplo espaço para construir terminais de passageiros em várias disposições possíveis. Note-se que no caso do NAL se localizar no Montijo, o design apresentado pela ANA para o terminal do Aeroporto Complementar já não se demonstra adequado (o design dos terminais de aeroporto varia muito consoante o fluxo de passageiros com que este tem de lidar). A imagem abaixo apenas demonstra um exemplo simplificado de design de terminal, existem várias disposições possíveis, incluindo o recurso aos chamados terminais satélite como foi feito no T4 de Madrid. 

Esquema simplificado do NAL na BA6

A nível de acessibilidades há várias questões a ter em conta. Primeiro, a implementação do aeroporto principal da AML na Margem Sul, obriga inevitavelmente, à construção da Terceira Travessia do Tejo. Isto deve-se ao facto de ser impossível assegurar um acesso ferroviário competitivo a um hipotético NAL através da travessia já bastante saturada e limitada que é a Ponte 25 de Abril. Em segundo lugar, é expectável que a implementação do NAL também levasse a Ponte Vasco da Gama ao seu limite de capacidade (ainda que tal seja discutível uma vez que esta ponte ainda está a trabalhar muito abaixo da sua capacidade máxima). 

Por isso, não é totalmente disparatado falar de instalar uma outra travessia rodoviária (que poderia estar incluída na TTT), ainda que a prioridade deva ser dada ao aproveitamento total da capacidade da Vasco da Gama. O acesso desde a A12 ao Aeroporto em si é relativamente simples e curto, tendo um custo algo residual em comparação com todo o projeto. 

A nível de acessos rodoviários também convém referir que teria de ser executada uma obra já prevista no âmbito do PNI2030 que é o Arco Ribeirinho Sul que consiste na construção de duas pontes rodoviárias, uma do Seixal ao Barreiro e outra do Barreiro ao Montijo. 


A Ponte Seixal-Barreiro é uma reivindicação já antiga das duas autarquias

O corredor em que deve ser implementada a TTT não é (nem foi há 10 anos quando a obra esteve quase a avançar) muito consensual. Se antes o corredor Chelas-Barreiro poderia parecer mais óbvio (por ser onde está a ponta da Linha do Alentejo), a implementação de um NAL na BA6 daria muita força à ideia de usar o corredor conhecido por Beato-Montijo (apesar do nome, na verdade também acaba por ser Chelas-Montijo), corredor este que obrigaria a fazer uma ponte consideravelmente mais curta e mais barata. 

Nos tempos idos da RAVE, o corredor Chelas-Barreiro foi o escolhido para a TTT

Independentemente do corredor escolhido, um NAL no Montijo teria de ter ligação à ferrovia convencional e num futuro mais ou menos próximo, à linha de Alta Velocidade Lisboa-Madrid, que também passará pela TTT. Tendo em conta que na opção Chelas-Barreiro: 

  • a curva que um ramal de ligação ao Aeroporto teria de fazer na zona do Lavradio seria muito apertada;
  • que a ponte em si teria de ser consideravelmente maior;
  • e que a sua construção obrigaria a interferir com os lodos contaminados da linha costeira do Barreiro,
A solução Beato-Montijo seria, talvez, a mais interessante. 

De forma a ligar à ponta da Linha do Alentejo, seria necessário fazer uma pequena ponte ou túnel ferroviário para ultrapassar o canal do Montijo e chegar à península do Barreiro. Esta solução obrigaria infelizmente à construção duas estações ferroviárias separadas no NAL, uma de AV na zona central dos terminais, e uma na lateral da pista mais a Oeste. Haveria a opção de paralelamente à LAV seguir também uma linha convencional para o Montijo permitindo serviços suburbanos para esta zona da Margem Sul mas dificilmente justificaria o investimento necessário. A LAV seguiria para a zona do Poceirão onde poderia seguir o seu traçado já definido pela RAVE há 10 anos atrás (o facto de evitar a zona já muito urbanizada do Barreiro também seria uma oportunidade para reduzir custos com obras de arte, nomeadamente tuneis).  

Esquema das acessibilidades ferroviárias a um NAL no Montijo (não está à escala, claro)

Além das boas acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, há ainda o enorme potencial das ligações fluviais que colocariam o Aeroporto a 20/25 minutos do Terreiro do Paço ou do Cais do Sodré (e consequentemente da rede do Metro de Lisboa). 


O Cais do Seixalinho (no Montijo) poderia ser usado numa primeira fase

É ainda de referir que este aeroporto seria facilmente integrável num prolongamento do Metro Ligeiro do Sul do Tejo, ainda que este ainda esteja longe de chegar a esta zona, ainda numa fase muito precoce de desenvolvimento.

Em suma, um NAL na BA6 seria perfeitamente integrável dentro da rede de transportes da AML, tanto atual como futura estando em perfeita sintonia com os grandes investimentos previstos para um curto/médio prazo como a TTT ou a implementação da AV ferroviária, tão necessária para reduzir as nossas emissões poluentes e dependência da importação de combustíveis fósseis. 

Note-se que por exemplo um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete nunca teria esta facilidade de integração na rede de transportes (uma vez de se trata de uma localização muito periférica). 

A nível de custos, é fácil perceber que esta solução de Montijo como principal é consideravelmente mais cara que a solução de ter o Montijo como complementar, mesmo tendo em conta que se poderia fazer um phase-out mais gradual da Portela. Como qualquer aeroporto principal na margem sul, o Montijo obrigaria a pesados investimentos em acessos (apesar de ser claro que grande parte deles são projetos que têm de avançar com ou sem aeroporto). Ainda assim, seria uma solução mais barata que o Campo de Tiro de Alcochete, pelo simples facto de que os acessos a construir seriam muito mais pequenos. 

Por fim, falta-nos analisar os impactos ambientais. Como é óbvio, o Montijo, apesar de ainda estar relativamente afastado da Reserva do Estuário do Tejo, insere-se numa zona sensível a nível ambiental. A implementação de um NAL na BA6 obrigaria obviamente a um novo estudo de impacto ambiental que muito provavelmente, se declarasse o projeto como viável, imporia muitas medidas de mitigação de impactos (mas que seriam também vastas fosse o Aeroporto feito noutra localização qualquer). 

É de notar que ao contrário do que naturalmente poderia ser pensado, uma nova pista no Montijo até estaria relativamente livre de impactos sobre as populações, uma vez que a aproximação a esta vinda de sul faria os aviões sobrevoar zonas muito pouco densas e pouco urbanizadas (o que vem até a calhar uma vez que esta seria a pista mais usada pelos aviões wide body de longo curso). 

Uma segunda pista a oriente não obrigaria a sobrevoar zonas densamente povoadas

O grande "se" ambiental continua a ser, de longe, a questão da avifauna que existe nesta zona. É de realçar que apesar de todas as vantagens que o NAL no Montijo teria, o respeito pelo meio ambiente tem de ser soberano, e não é garantido que tal projeto obtivesse o parecer positivo da APA. 

O que podemos concluir de tudo isto? Ao contrário do que tem sido dito, a hipótese de localizar o Aeroporto principal de Lisboa na BA6 não é de todo disparatada a nível técnico uma vez que se trata de uma zona com espaço suficiente para albergar um grande aeroporto e que estaria numa posição quase perfeita para ser integrada na rede de transportes da AML. Trata-se, no entanto, de uma opção relativamente cara e que teria de ser implementada de forma algo faseada. 

Ainda assim, caso a decisão recaía sobre o abandono do Aeroporto da Portela como principal infraestrutura, o Montijo estaria numa posição perfeitamente viável de "concorrer" com o Campo de Tiro de Alcochete. 

Tomás Ribeiro


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