Perguntas e respostas sobre a Alta Velocidade Lisboa-Porto

A alta velocidade ferroviária em Portugal é um tema longo e controverso que se arrasta há quase 30 anos. Em outubro, aquando da apresentação da nova versão do PNI2030, o Governo anunciou que esta seria a década em que o país finalmente avançaria com a construção da Linha de Alta Velocidade (LAV) Lisboa-Porto. Mas dado que este tema é tão controverso, achei que seria útil escrever um artigo a desmistificar um pouco as coisas, esclarecer as dúvidas do grande público e clarificar o porquê de este investimento ser tão importante. 

Reuni, por isso, uma série de perguntas que costumamos ouvir quando se fala da LAV Lisboa-Porto, às quais tentarei responder de forma sucinta e clara. 

Portugal já não investiu que chegue em infraestruturas? O que temos não chega?

Não, Portugal investiu muito em infraestruturas sim mas a esmagadora maioria do nosso investimento acabou na rodovia. A rede ferroviária nacional, por outro lado, recebeu um investimento muito mais modesto e isso refletiu-se na rede pouco eficiente, pouco competitiva e datada que temos hoje. É fundamental que o país invista mais em ferrovia, seja pelo papel estruturante na redução das nossas emissões de gases poluentes, seja pelo simples facto de a ferrovia conseguir ser mais rápida e barata que a rodovia em muitos trajetos. 

A nossa enorme rede de autoestradas é excelente mas não serve os nossos objetivos de neutralidade carbónica. O país não pode ser ultra dependente da rodovia numa altura em que se prevê que a UE comece a taxar significativamente o transporte rodoviário. Investir na ferrovia não é apenas um investimento de cariz ambiental para as gerações futuras, é uma forma de tornar o país mais coeso, competitivo e eficiente. 

Nesse sentido, é fundamental resolver os problemas da nossa coluna vertebral da rede e do nosso eixo atlântico. 

Porque não melhoramos simplesmente o traçado da Linha do Norte?

O caro leitor deve estar a pensar "se a viagem entre Lisboa e Porto demora tanto tempo, não podemos só melhorar o traçado da Linha do Norte?". 

Não, infelizmente melhorar o traçado da Linha do Norte (LN) não traria grandes melhorias porque a LN está completamente saturada. O facto de nela conviverem serviços rápidos (Alfas, IC) e serviços mais lentos (mercadorias, suburbanos e regionais) significa que estes comboios muitas vezes conflituam uns com os outros. Seja porque os rápidos são atrasados pelos lentos que levam à frente, seja porque os lentos (especialmente mercadorias) têm de parar muitas vezes para serem ultrapassados por tráfego mais rápido. Uma analogia frequente é comparar a LN à velha Nacional 1 que tinha de aguentar com todo o tipo de tráfego local e interurbano antes da A1 ser feita. 

Melhorar o traçado iria, de facto, melhorar a velocidade máxima permitida mas não acrescentaria capacidade nenhuma à linha e não resolveria o problema dos conflitos entre os vários tipos de tráfego. Aliás, só iria piorar essa situação por aumentar ainda mais a diferença de velocidades entre serviços rápidos e lentos.

Porque é que não podemos simplesmente quadruplicar a Linha do Norte?

Se o problema é falta de capacidade na linha, porque não acrescentar mais vias, passando da via dupla atual (da maior parte da Linha) para uma via quádrupla? 

Em primeiro lugar, isso nem sequer seria possível em inúmeras zonas por onde a LN passa uma vez que o canal disponível nem tem largura para isso. 

Em segundo lugar, sim isso aumentaria imenso a capacidade da Linha e permitira de certa forma segregar o tráfego mais rápido do mais lento. Mas o problema é que com o traçado atual da LN, o tempo de viagem entre Lisboa e Porto continuaria estagnado na casa das 3 horas. Ou seja quadruplicar aumentaria a capacidade mas não reduziria substancialmente os tempos de viagem. Além do mais, seria uma intervenção com um custo elevadíssimo também. Seria quase como construir uma linha nova colada à atual. 

Construir uma nova linha convencional não resolveria o problema? Não seria mais barato?

Construir uma nova linha convencional, fora do canal da LN e com um traçado ligeiramente melhor seria também uma intervenção caríssima e que não reduziria em quase nada o tempo de viagem. 

Por mais estranho que pareça, construir uma linha de alta velocidade é relativamente barato comparado com uma convencional uma vez que a de AV não precisa de passar em todas as localidades pelo caminho o que reduz os custos com expropriações e reduz o próprio comprimento da linha. 

Mais uma vez, recorro à famosa analogia da nacional. Acha que construir uma segunda nacional 1 teria resolvido alguma coisa? Pois...

Quanto vai custar a linha? Quando estará operacional?

O investimento total previsto é de 4500 milhões de euros, o que pode parecer muito, mas na verdade trata-se de um investimento relativamente modesto quando comparado com outros projetos de AV na Europa. 

A primeira fase da LAV entre Porto e Soure deve estar operacional em 2028, a segunda (até Lisboa) só em 2030. O troço "norte" deve ser concluído primeiro porque, regra geral, avança em terreno muito mais favorável e plano que o troço "sul" que inclui a difícil entrada em Lisboa pelo canal da A10 (que irá obrigar à construção de muitos tuneis e viadutos). 

Porque é que a Linha será só para passageiros e não para mercadorias?

Em parte porque a Linha do Norte serve perfeitamente para o tráfego de mercadorias, em parte porque misturar novamente tráfego muito lento com tráfego muito rápido voltaria a gerar os problemas que falámos anteriormente. 

Além disso, uma LAV só para comboios de passageiros é muito mais barata de construir porque as pendentes (declive da via) podem ser muito mais agressivas. 

Que velocidade máxima é que a Linha vai permitir? 

A LAV deverá estar apta a 300 km/h. Apesar de já se construírem linhas para 350 km/h, dada a distância entre as várias cidades que a LAV vai servir, tal não se justificaria aqui. Além disso, o traçado da linha deverá basear-se nos estudos feitos pela antiga RAVE nos anos 2000, que previam uma linha para 300. 

A Linha será em bitola ibérica ou europeia?

Segundo a IP, a Linha deverá ser feita em bitola ibérica, ao contrário do que estava planeado à 10 anos. 

Desta forma, a LAV não ficará uma ilha ferroviária isolada do resto do país e apenas acessível a um número restrito de novos comboios. O material circulante hoje usado pela CP para os serviços IC poderá utilizar a nova linha. Desta forma, um comboio para servir a Beira Alta, por exemplo, poderá seguir pela LAV até Coimbra e só aí entrar na rede convencional. 

Desta forma os benefícios da LAV estendem-se a todo o país, incluindo o interior, que terá ligações a Lisboa e Porto muito mais rápidas. 

Esta Linha só beneficia o litoral do país? 

Tal como respondi na questão anterior, não. O facto de a LAV ser feita em bitola ibérica permite que todo o país, de norte a sul, beneficie desta autoestrada ferroviária. Mais uma vez, estamos a acelerar a coluna vertebral da rede onde rebatem quase todos os serviços de longo curso do país.

Além disso, a capacidade libertada na LN permitirá o aumento de serviços suburbanos e regionais nesta linha. 

Que estações é que esta linha terá?

Esta nova linha deverá servir Lisboa, Leiria, Coimbra, Aveiro e Porto. No entanto, é provável que existam serviços que não usem a totalidade da LAV bem como comboios diretos Lisboa-Porto.

Vai ser precisa uma nova ponte sobre o Rio Douro? 

É muito provável que sim. A Ponte S. João já está bastante sobrecarregada de tráfego e dificilmente conseguirá lidar com um aumento do tráfego. Mesmo que esta fosse usada numa primeira fase, não demoraria muito até estarmos a discutir a construção da nova travessia. 

Além disso, a S. João é a única ligação entre a rede ferroviária a norte do Douro e a do resto do país. Seria muito importante adicionar alguma redundância à rede neste ponto critico. 

Qual será a estação do Porto?

A estação do Porto será Campanhã. Nos anos 2000 chegou a falar-se de uma estação subterrânea na zona da Boavista mas tudo indica que essa ideia terá sido abandonada, em parte pelo seu custo elevadíssimo. 

Haverá ligação ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro?

O projeto de ligação ferroviária ao Aeroporto Sá Carneiro é independente do projeto da LAV mas sim tudo indica que alguns serviços de longo curso, incluindo AV, passarão a usar o Aeroporto como estação terminal em vez de Campanhã. A ligação deverá ser feita através de um pequeno ramal que parte da Linha de Leixões (que também deverá receber obras profundas no âmbito do PNI2030). 

Qual será a principal estação de Lisboa?

A estação de Lisboa será a Gare do Oriente que, de resto, continuará a ser a grande estação intermodal da capital. 

É ainda incerto se a estação sofrerá obras de expansão como esteve previsto há 10 anos. 

Aveiro terá duas estações como esteve previsto há 10 anos?

Não, a estação atual de Aveiro continuará a ser a única da cidade. A ideia de construir uma estação exclusiva à AV em Albergaria-a-Velha foi abandonada. No entanto, a LAV continuará a passar ao largo da cidade, ou seja, comboios que parem em Aveiro terão de abandonar a nova linha e reentrar em Oiã ou Canelas consoante o sentido. 

E em Coimbra, vamos utilizar Coimbra B?

Tudo indica que sim, Coimbra B continuará a ser a grande estação da cidade estudantil. Note-se que a estação receberá obras relativamente profundas para melhorar as condições de conforto e segurança, nomeadamente a construção de uma passagem inferior que ligará os vários cais de embarque. Também será feito o interface com o Metrobus do Mondego.

Ainda não se sabe se a Linha passará ao largo da cidade ou mesmo pela "estação velha".

E Leiria?

Se os planos dos anos 2000 forem mantidos, Leiria deverá ter uma nova estação na zona de Barosa que concentrará serviços convencionais da Linha do Oeste e AV. 

Será preciso encomendar novo material circulante?

Sim, os comboios mais rápidos que a CP dispõe são as automotoras da série 4000 (vulgarmente conhecidas por Alfas Pendulares) e apenas estão certificadas para 220 km/h. São comboios já com 20 anos de serviço, e quando a LAV abrir na sua total extensão já estarão na casa dos 30, ou seja, perto do seu limite de vida útil. 

Serão encomendadas 12 novas automotoras de longo curso ao abrigo do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). 

Mas só a CP é que vai poder operar nesta linha?

Não, qualquer operador privado poderá operar comboios de AV na nova linha, em concorrência com a própria CP. Tendo em conta que o eixo Lisboa-Porto tem uma enorme procura é altamente provável que tal venha a suceder, inclusive, a Barraqueiro já manifestou o interesse em explorar este corredor com uma operadora própria, a recém formalizada B-Rail. 

Muitas vezes, nestes corredores de alta procura, surgem ofertas low-cost muito interessantes. Aproveito assim para desfazer o mito de que o TGV é um comboio "de ricos".  

Mas e a ligação a Madrid? Não avança? 

A ligação de AV Lisboa-Madrid não está esquecida, mas neste momento não é uma prioridade. O país tem de se concentrar em resolver primeiro os problemas do nosso eixo Atlântico, nomeadamente a saturação da Linha do Norte. Primeiro há que resolver os nossos problemas internos antes de nos preocupar-nos com ligações internacionais. 

Também é de notar que a nova linha Évora-Elvas, que será inaugurada em 2023, já estará apta a 250 km/h. Se os espanhóis terminarem a LAV do seu lado da fronteira, já teremos uma ligação competitiva com Madrid (note-se que a linha convencional entre Évora e o Pinhal Novo tem um traçado bastante bom que permite 200 km/h). 

A grande peça fundamental que ficará a faltar será a Terceira Travessia do Tejo, que sozinha, deve abater 30 minutos ao tempo de viagem. Para lá de 2030, poderemos então falar de adicionar variantes de AV ao traçado convencional deste corredor.

Espero que tenham achado o artigo esclarecedor. 

Tomás Ribeiro


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