Montijo: afinal o que se passou com a ANAC?

Ontem os telejornais abriram com a notícia do parecer da Autoridade Nacional da Aviação Civil sobre o Aeroporto Complementar do Montijo. Em seguimento, não tardou a gerar-se um turbilhão de notícias e reações tanto do Governo como da ANA Aeroportos que podem ter baralhado os menos atentos. Senti, por isso, que devia escrever um artigo a explicar concretamente o que se passou ontem e o que vem a seguir. 

Afinal de contas, o Montijo caiu de vez? Não. Aliás, o que vimos ontem foi uma mera formalidade. Já se sabia há bastante tempo que algumas câmaras afetadas pelo projeto do Aeroporto do Montijo se recusavam a dar o seu parecer positivo para deixar avançar o projeto. Sem esses pareceres positivos a ANAC não teve outra alternativa a não ser não avançar com a análise do projeto. 

Isso quer dizer que o projeto do Aeroporto já não vai avançar? Mais uma vez, não. Este "chumbo" apenas significa que neste momento o projeto está parado porque não reúne todas as condições legais para avançar. No entanto, isso não se traduz num abandono do projeto. 

Então o que vem a seguir? Agora, tal como expliquei há uns meses num artigo aqui no blog, o Governo vai proceder à realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ao projeto do novo aeroporto, que aliás foi imposta pelo Parlamento. Este estudo mais extenso consiste na comparação de várias alternativas possíveis ao nível do impacto ambiental, social e económico. Não é a primeira vez que se realiza uma AAE a esta questão do Aeroporto. Em 2008 já se tinha efetuado um estudo semelhante que na altura levou o Governo de José Sócrates a abandonar a polémica localização da Ota e rumar ao Campo de Tiro de Alcochete (CTA). 

E que opções serão consideradas desta vez? Em reação ao comunicado da  ANAC, o Governo reagiu revelando quais eram as opções que seriam estudadas nesta nova AAE. Serão 3 no total:

  1. Portela+1 (Expansão da Portela com aeroporto complementar no Montijo);
  2. Montijo+1 (o Montijo passa gradualmente a ser o aeroporto principal de Lisboa e a Portela passa a ter um papel secundário como complementar);
  3. Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no CTA (substituição total e encerramento da Portela);
Ou seja, o projeto atual do Aeroporto do Montijo mantêm-se, simplesmente será comparado com outras opções de expansão da capacidade aeroportuária na região de Lisboa. 

No entanto, é importante perceber aqui uma coisa. Uma AAE é uma avaliação importante mas não constituiu por si só nenhuma decisão vinculativa. No final de todo o processo, há uma decisão política a tomar, a AAE simplesmente sugere a melhor alternativa (ou a menos má neste caso). E seria ingénuo achar que o governo e a ANA não têm uma "preferida" entre estas 3 opções. 

A realidade é que ao longo dos últimos anos tanto a ANA, como o Governo têm mostrado um total desinteresse na solução CTA, o que não é de admirar, por todos os motivos que já referi no artigo do Utopias dedicado a analisar esta opção. É, de longe, a solução mais cara e complexa. Aliás, ontem em entrevista o chairman da ANA veio esclarecer (ou quase alertar) que numa solução CTA o contribuinte será chamado a pagar uma pesada fatura da ordem dos 7 mil milhões de euros. 

Não nos podemos esquecer que a implementação do principal aeroporto de Lisboa na Margem Sul, seja no Montijo ou no CTA, acarreta consigo sempre a construção da também dispendiosa, mas necessária, Terceira Travessia do Tejo. 

Este governo, conhecido pelo seu "amor por contas certas" não precisa de muito tempo a pensar para perceber que o país não está de todo em condições de fazer um investimento tão avultado, muito menos com os anos de crise que se avizinham. Por isso, tem todo o interesse numa solução Portela+1 em que a larga maioria do investimento (muitíssimo mais reduzido) é feito pelo privado, mantendo um ativo importante na competitividade de Lisboa como destino turístico de fim de semana: a proximidade do Humberto Delgado a Lisboa. 

Também é de notar que apesar do NAL no CTA já ter, em 2008, sido eleito como melhor opção, isso não é propriamente uma garantia de que essa solução vá prevalecer neste novo estudo. Isto deve-se ao facto de em 2008 o CTA "concorrer" contra uma péssima localização na Ota que também envolvia custos elevadíssimos. Digamos que, não era uma corrida difícil de vencer. Agora, o CTA entrará em confronto com soluções muito menos dispendiosas e que, por exemplo, ganham largamente em termos de conectividade e facilidade de transporte para Lisboa. 

É certo que os problemas ambientais do Montijo são consideráveis mas a verdade é que também no CTA o eram (o projeto incluía, por exemplo, a destruição de muitos hectares de sobreiros e não estava totalmente livre de conflitos com as rotas migratórias de aves entre os estuários do Sado e do Tejo). Isto quer apenas dizer que desta vez o CTA enfrenta concorrência feroz. 

Além da AAE, o Governo vai também tentar avançar com a mudança da lei que basicamente confere poder de veto a um município sobre a localização do Aeroporto. Desta vez, o executivo já parece ter o PSD do seu lado da barricada (a realização da AAE pelos vistos fez a diferença para o PSD). É fácil olhar para esta intenção do governo e ver quase uma espécie de tentativa de contornar do problema.

Mas considerações morais à parte, o que nos interessa são os efeitos práticos da lei. Esta lei, no fundo, acaba por ser um impedimento a que alguma vez se solucione esta questão do aeroporto. Ao abrir a porta a vetos de qualquer município, será extremamente difícil, para não dizer impossível, que alguma vez se consiga consenso numa solução, ou seja, irá prolongar este debate ad eternum. Há que mudar a lei, caso contrário entraremos num ciclo vicioso de soluções derrubadas e politiquice entre partidos e as autarquias que estes controlam.

Agora, teremos de esperar alguns meses para saber as conclusões desta tão importante AAE que pode ser o vai ou racha para o Aeroporto do Montijo. 

Tomás Ribeiro

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